Injustiça histórica
Durante muitos anos o casamento entre pessoas do mesmo
sexo não era permitido no Brasil. Essa proibição permanecia mesmo nos casos em
que os cônjuges se casavam em um país no qual a união homoafetiva era permitida
por lei (como por exemplo, a Argentina). Ao voltar para o Brasil eram deparados
com a recusa em ter sua união reconhecida pelo governo brasileiro, a despeito
de ter sido realizada com o cumprimento de todas as formalidades no exterior.
Isso decorria da chamada reserva de ordem pública contra a aplicação do direito estrangeiro, prevista na legislação brasileira, que determina, nos termos do art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:
Art. 17. As leis,
atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não
terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem
pública e os bons costumes.
Ou seja, digamos que um brasileiro residente na Argentina
há 10 anos se casasse com um argentino de mesmo sexo nesse país - com o
cumprimento de todas as formalidades locais - e, posteriormente, resolvessem
ambos se mudar para o Brasil, esse casamento não teria nenhuma validade
internamente no Brasil. Disso decorriam todos os efeitos patrimoniais do ato,
inclusive relativos aos bens que ambos tivessem adquiridos em conjunto, à mudança
de nome ou em relação à guarda de filhos que por ventura tivessem adotado. O
caso do casamento homoafetivo era, inclusive, um caso clássico citado por
livros de Direito Internacional ou nas aulas de professores como exemplo de uma
reserva de ordem pública.
Tudo isso mudou com a decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF) em relação à ADPF 132 RJ e à ADI 4277, em 2011, após uma longa luta
progressiva de décadas do movimento LGBT brasileiro. Desde então, tanto a união
estável quanto o casamento entre pessoas do mesmo sexo tem sido permitido no
Brasil. Eu mesmo já tive a oportunidade de trabalhar em alguns casos de
casamentos e uniões estáveis homoafetivas entre brasileiros e estrangeiros. No
caso do casamento entre brasileiros e estrangeiros, contudo, percebemos um
duplo preconceito, uma vez que as dificuldades para eles têm sido ainda
maiores.
Demora na
implementação
É importante notar que a decisão do STF de 2011 não
significou, imediatamente, a permissão dos casamentos homoafetivos. Esse tipo
de união continuou sendo, muitas vezes, recusadas em ser registradas pelos cartórios.
Frequentemente era necessário a abertura de uma ação judicial para que os cônjuges
pudessem ter o seu casamento reconhecido judicialmente.
Somente por meio de normativas progressivas dos Tribunais
de Justiça dos Estados (aos quais os cartórios estão submetidos
hierarquicamente) é que foi possível que os cartórios reconhecessem essas uniões
sem a necessidade de uma sentença judicial. A regulação do Tribunal de Justiça
de São Paulo, por exemplo, somente foi publicada em 18 de Dezembro de 2012,
entrando em vigor somente 60 dias depois, em 2013. Muitos Estados brasileiros
ainda não expediram esses regulamentos.
O que ocorre, portanto, é que há uma insegurança jurídica
e mais de um cenário jurídico em vigor no Brasil para o mesmo caso. O casamento
homoafetivo é reconhecido em
alguns Estados federativos, ao passo em que, em outros, somente será reconhecido por meio de uma decisão judicial. O primeiro passo
antes de realizar um casamento homoafetivo com um estrangeiro é checar se os
cartórios e o Tribunal de Justiça de seu Estado já implementaram essa decisão.
Reconhecimento de
casamento homoafetivo realizado no exterior: demora maior de implementação por
parte dos consulados
Não somente os
Estados mais conservadores implementaram a permissão de casamentos
homoafetivos com uma maior demora, mas os consulados
brasileiros no exterior têm infelizmente adotado também esse posicionamento
mais conservador, em desrespeito à decisão do STF. O consulados, como dito
anteriormente neste blog, têm a competência de efetuar o registro de casamentos
realizados em países estrangeiros e, até mesmo, de realizar casamentos no
exterior, o que torna esse posicionamento conservador extremamente preocupante.
Tive a oportunidade de ver isso na prática quando atuei
com um caso de casamento homoafetivo entre um brasileiro e um estrangeiro
realizado na Argentina, muito após a decisão do STF de 2011. O posicionamento
oficial do Consulado-Geral do Brasil em Buenos Aires foi, na época, de recusar o reconhecimento do casamento,
ignorando não somente a decisão do STF, mas também a Resolução nº 175, de 14 de
maio de 2013 do CNJ, que determinava que essas uniões fossem reconhecidas.
Hoje, felizmente, o
Consulado de Buenos Aires reviu seu posicionamento. Entretanto, o caso deve ser utilizado como aprendizado para sempre analisarmos se isso está sendo respeitado em todos os Consulados
brasileiros no exterior ou não, uma vez que nem todos dispõem dessas informações publicamente em seus websites.
Estrangeiros: igualdade
de direitos
Nos termos do art. 5º da Constituição brasileira, os
estrangeiros têm igualdades de direitos em relação aos cidadãos brasileiros. A
princípio, portanto, todos os estrangeiros que desejam se casar no Brasil
com um brasileiro de mesmo sexo, ou reconhecer, no Brasil, a sua união
homoafetiva realizada no exterior, têm os mesmos direitos que qualquer
brasileiro. .
Esse tem sido o entendimento do judiciário brasileiro em
diversas decisões judiciais, tais como decidido pela 2 ª Vara de Registros
Públicos da Comarca de São Paulo/SP, que determinou o reconhecimento casamento
homoafetivo entre um brasileiro e um americano que se casaram na Argentina.
Não é constitucional, portanto, qualquer diferença entre uma união heterossexual ou uma união homossexual entre brasileiro e estrangeiro. As formalidades nesses últimos casos, entretanto, são maiores
Translado de
casamento realizado no exterior
No caso de translado (ou registro) de certidão de união
afetiva realizada no exterior, por exemplo, em primeiro lugar, o estrangeiro
deverá checar não somente se o casamento poderá ser reconhecido no Estado
federativo onde reside, como abordado acima, mas também no consulado brasileiro
no país onde a união foi celebrada, uma vez que o reconhecimento de casamento
realizado no exterior depende não somente do registro no cartório brasileiro,
mas também do registro no Consulado brasileiro no exterior.
Após esse momento, uma série de documentos são necessários
para que a união possa ser registrada no Brasil, tais como: 1) a certidão de
casamento realizado perante consulado brasileiro no exterior ou a certidão
emitida por autoridade estrangeira (consularizada pelo consulado brasileiro do
país onde foi emitida), traduzida por tradutor público juramentado; 2) certidão
de nascimento do cônjuge brasileiro ou certidão do casamento anterior com prova
de sua dissolução; 3) declaração de domicílio ou comprovante de residência; e
4) requerimento assinado por um dos cônjuges ou por seu advogado.
Realização de
casamento homoafetivo entre brasileiro e estrangeiro no Brasil
A realização de um casamento entre um brasileiro e um
estrangeiro no Brasil muitas vezes exige muitos mais documento e é muito mais
custosa do que o registro no Brasil de casamento realizado no exterior. É por
esse motivo que muitas vezes recomendo para meus clientes, caso possam fazer
isso, passar a “lua de mel” em algum país no qual a união homoafetiva é
permitida, como em Buenos
Aires , casar nesse país e fazer o registro dessa união no
Brasil. Pode parecer engraçado, mas no final das contas pode ser um processo
muito mais rápido e fácil do que de fato realizar um casamento no Brasil.
Em primeiro lugar, é necessário checar se o casamento
homoafetivo será reconhecido no Estado federativo onde são domiciliados os cônjuges.
Após isso, uma série de documentos serão necessários, como: 1) a certidão de
nascimento do cônjuge estrangeiro ou (no caso de divorciado) sua averbação de
divórcio, expedidas em até 6 meses do momento do ato, ambas autenticadas no
cartório do país de origem, consularizadas no consulado brasileiro no exterior
e traduzidas por tradutor oficial juramentado no Brasil; 2) declaração de
estado civil e declaração de residência (ou comprovante de residência); 3) CPF
brasileiro, obtido perante a Receita Federal; 4) passaporte com visto de
entrada, ou outro documento de identidade (igualmente, consularizado e
traduzido); 5) comprovante de visto válido no Brasil (caso o estrangeiro resida
no Brasil); 6) procuração para realização do casamento (consularizada e
traduzida), caso o estrangeiro resida no exterior ou não possua visto válido no
Brasil. Além disso, caso não fale e entenda português, o estrangeiro precisará
de um intérprete juramentado.
Suelen Cunha
Pedro Andrade





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