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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Reconhecimento de União Homoafetiva no Brasil


Injustiça histórica

Durante muitos anos o casamento entre pessoas do mesmo sexo não era permitido no Brasil. Essa proibição permanecia mesmo nos casos em que os cônjuges se casavam em um país no qual a união homoafetiva era permitida por lei (como por exemplo, a Argentina). Ao voltar para o Brasil eram deparados com a recusa em ter sua união reconhecida pelo governo brasileiro, a despeito de ter sido realizada com o cumprimento de todas as formalidades no exterior.

Isso decorria da chamada reserva de ordem pública contra a aplicação do direito estrangeiro, prevista na legislação brasileira, que determina, nos termos do art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Ou seja, digamos que um brasileiro residente na Argentina há 10 anos se casasse com um argentino de mesmo sexo nesse país - com o cumprimento de todas as formalidades locais - e, posteriormente, resolvessem ambos se mudar para o Brasil, esse casamento não teria nenhuma validade internamente no Brasil. Disso decorriam todos os efeitos patrimoniais do ato, inclusive relativos aos bens que ambos tivessem adquiridos em conjunto, à mudança de nome ou em relação à guarda de filhos que por ventura tivessem adotado. O caso do casamento homoafetivo era, inclusive, um caso clássico citado por livros de Direito Internacional ou nas aulas de professores como exemplo de uma reserva de ordem pública.

Tudo isso mudou com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à ADPF 132 RJ e à ADI 4277, em 2011, após uma longa luta progressiva de décadas do movimento LGBT brasileiro. Desde então, tanto a união estável quanto o casamento entre pessoas do mesmo sexo tem sido permitido no Brasil. Eu mesmo já tive a oportunidade de trabalhar em alguns casos de casamentos e uniões estáveis homoafetivas entre brasileiros e estrangeiros. No caso do casamento entre brasileiros e estrangeiros, contudo, percebemos um duplo preconceito, uma vez que as dificuldades para eles têm sido ainda maiores.


Demora na implementação

É importante notar que a decisão do STF de 2011 não significou, imediatamente, a permissão dos casamentos homoafetivos. Esse tipo de união continuou sendo, muitas vezes, recusadas em ser registradas pelos cartórios. Frequentemente era necessário a abertura de uma ação judicial para que os cônjuges pudessem ter o seu casamento reconhecido judicialmente.

Somente por meio de normativas progressivas dos Tribunais de Justiça dos Estados (aos quais os cartórios estão submetidos hierarquicamente) é que foi possível que os cartórios reconhecessem essas uniões sem a necessidade de uma sentença judicial. A regulação do Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, somente foi publicada em 18 de Dezembro de 2012, entrando em vigor somente 60 dias depois, em 2013. Muitos Estados brasileiros ainda não expediram esses regulamentos.

O que ocorre, portanto, é que há uma insegurança jurídica e mais de um cenário jurídico em vigor no Brasil para o mesmo caso. O casamento homoafetivo é reconhecido em alguns Estados federativos, ao passo em que, em outros, somente será reconhecido por meio de uma decisão judicial. O primeiro passo antes de realizar um casamento homoafetivo com um estrangeiro é checar se os cartórios e o Tribunal de Justiça de seu Estado já implementaram essa decisão.


Reconhecimento de casamento homoafetivo realizado no exterior: demora maior de implementação por parte dos consulados

Não somente os Estados mais conservadores implementaram a permissão de casamentos homoafetivos com uma maior demora, mas os consulados brasileiros no exterior têm infelizmente adotado também esse posicionamento mais conservador, em desrespeito à decisão do STF. O consulados, como dito anteriormente neste blog, têm a competência de efetuar o registro de casamentos realizados em países estrangeiros e, até mesmo, de realizar casamentos no exterior, o que torna esse posicionamento conservador extremamente preocupante.

Tive a oportunidade de ver isso na prática quando atuei com um caso de casamento homoafetivo entre um brasileiro e um estrangeiro realizado na Argentina, muito após a decisão do STF de 2011. O posicionamento oficial do Consulado-Geral do Brasil em Buenos Aires foi, na época,  de recusar o reconhecimento do casamento, ignorando não somente a decisão do STF, mas também a Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013 do CNJ, que determinava que essas uniões fossem reconhecidas.

Hoje, felizmente,  o Consulado de Buenos Aires reviu seu posicionamento. Entretanto, o caso deve ser utilizado como aprendizado para sempre analisarmos se isso está sendo respeitado em todos os Consulados brasileiros no exterior ou não, uma vez que nem todos dispõem dessas informações publicamente em seus websites.


Estrangeiros: igualdade de direitos

Nos termos do art. 5º da Constituição brasileira, os estrangeiros têm igualdades de direitos em relação aos cidadãos brasileiros. A princípio, portanto, todos os estrangeiros que desejam se casar no Brasil com um brasileiro de mesmo sexo, ou reconhecer, no Brasil, a sua união homoafetiva realizada no exterior, têm os mesmos direitos que qualquer brasileiro. .

Esse tem sido o entendimento do judiciário brasileiro em diversas decisões judiciais, tais como decidido pela 2 ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo/SP, que determinou o reconhecimento casamento homoafetivo entre um brasileiro e um americano que se casaram na Argentina.

Não é constitucional, portanto, qualquer diferença entre uma união heterossexual ou uma união homossexual entre brasileiro e estrangeiro. As formalidades nesses últimos casos, entretanto, são maiores

Translado de casamento realizado no exterior

No caso de translado (ou registro) de certidão de união afetiva realizada no exterior, por exemplo, em primeiro lugar, o estrangeiro deverá checar não somente se o casamento poderá ser reconhecido no Estado federativo onde reside, como abordado acima, mas também no consulado brasileiro no país onde a união foi celebrada, uma vez que o reconhecimento de casamento realizado no exterior depende não somente do registro no cartório brasileiro, mas também do registro no Consulado brasileiro no exterior.

Após esse momento, uma série de documentos são necessários para que a união possa ser registrada no Brasil, tais como: 1) a certidão de casamento realizado perante consulado brasileiro no exterior ou a certidão emitida por autoridade estrangeira (consularizada pelo consulado brasileiro do país onde foi emitida), traduzida por tradutor público juramentado; 2) certidão de nascimento do cônjuge brasileiro ou certidão do casamento anterior com prova de sua dissolução; 3) declaração de domicílio ou comprovante de residência; e 4) requerimento assinado por um dos cônjuges ou por seu advogado.


Realização de casamento homoafetivo entre brasileiro e estrangeiro no Brasil

A realização de um casamento entre um brasileiro e um estrangeiro no Brasil muitas vezes exige muitos mais documento e é muito mais custosa do que o registro no Brasil de casamento realizado no exterior. É por esse motivo que muitas vezes recomendo para meus clientes, caso possam fazer isso, passar a “lua de mel” em algum país no qual a união homoafetiva é permitida, como em Buenos Aires, casar nesse país e fazer o registro dessa união no Brasil. Pode parecer engraçado, mas no final das contas pode ser um processo muito mais rápido e fácil do que de fato realizar um casamento no Brasil.

Em primeiro lugar, é necessário checar se o casamento homoafetivo será reconhecido no Estado federativo onde são domiciliados os cônjuges. Após isso, uma série de documentos serão necessários, como: 1) a certidão de nascimento do cônjuge estrangeiro ou (no caso de divorciado) sua averbação de divórcio, expedidas em até 6 meses do momento do ato, ambas autenticadas no cartório do país de origem, consularizadas no consulado brasileiro no exterior e traduzidas por tradutor oficial juramentado no Brasil; 2) declaração de estado civil e declaração de residência (ou comprovante de residência); 3) CPF brasileiro, obtido perante a Receita Federal; 4) passaporte com visto de entrada, ou outro documento de identidade (igualmente, consularizado e traduzido); 5) comprovante de visto válido no Brasil (caso o estrangeiro resida no Brasil); 6) procuração para realização do casamento (consularizada e traduzida), caso o estrangeiro resida no exterior ou não possua visto válido no Brasil. Além disso, caso não fale e entenda português, o estrangeiro precisará de um intérprete juramentado.


Suelen Cunha
Pedro Andrade


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